sexta-feira, 19 de abril de 2024

Colheita ruim faz preço da castanha-do-pará disparar

As castanheiras levam ao menos 80 anos para começar a dar frutos e toda a produção é feita de forma extrativista. Com a falta de água, a oferta desabou

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Extração de castanha na Amazônica: a exportação minguou (Foto: Pedro Martinelli/Domínio Público)

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Extração de castanha na Amazônica: a exportação minguou (Foto: Pedro Martinelli/Domínio Público)

Poucas décadas após a chegada de espanhóis e portugueses na América do Sul, ainda no século XVI, foram feitos os primeiros registros sobre o contato com uma iguaria da região amazônica. Classificada como muito saborosa pelos exploradores, a castanha-do-pará (também conhecida como castanha-do-brasil) caiu rapidamente no gosto dos estrangeiros. A ponto de os holandeses terem levado uma porção delas para a Europa em 1633 junto com um carregamento de “frutas selvagens” da Amazônia.

 

Caso os mesmos holandeses tivessem se aventurado pela floresta durante o ano de 2017, é improvável que tivessem tido a mesma facilidade para achar castanhas-do-pará. Neste ano, é esperada uma queda de 70% da produção em relação a 2016, rendendo somente 10 mil toneladas de castanha, segundo estimativa de pesquisadores da Embrapa. A média anual no período de 1997 a 2015 estava acima de 30 mil toneladas. “A produção varia bastante, mas nada comparado com agora. Neste ano, teve falta em todas as regiões: no Brasil, no Peru e na Bolívia. Pela amplitude da ocorrência, suspeitamos que foi um evento raro da natureza”, disse Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa.

 

No início da primavera de todos os anos (em outubro e novembro), as castanheiras entram na fase de floração e, se polinizadas, começam a desenvolver o fruto que ficará maduro apenas no verão do ano seguinte (de dezembro a março). A principal desconfiança dos pesquisadores é que o problema atual tenha tido origem justamente no início do ciclo, já que no final de 2015 – quando os frutos da atual safra estavam se formando – houve uma alteração no regime de chuvas na Amazônia, diminuindo a quantidade de água disponível.

 

A crise ocorre justamente em um momento em que a castanha-do-pará está cada vez mais em alta. Há cerca de uma década, houve uma grande disseminação popular de informações sobre os benéficos efeitos nutritivos do alimento, como o fato de ser fonte de selênio e de ácidos graxos, o que faz com que nutricionistas rotineiramente indicarem a sua ingestão, disparando a sua procura dentro e fora do país. Em 2015, o Brasil exportou mais de 21 mil toneladas da semente e teve uma produção de mais de 40 mil toneladas. Até julho de 2017, a exportação foi de apenas 3 mil toneladas.

 

Podendo atingir até 50 metros de comprimento e 2 metros de diâmetro, as castanheiras são árvores centenárias e se tornaram importante fonte de renda na região amazônica. Elas demoram entre 80 e 120 anos depois que a semente germina para começar a produzir frutos e costumam seguir ativas por mais de 500 anos. Pela altura, ninguém se atreve a tentar retirar o fruto na copa da árvore, os extrativistas esperam ele amadurecer e cair no chão da floresta, onde já o quebram para obter a semente (as castanhas) e transportá-las. Por muito tempo foi comum a ideia de que a coleta dos frutos atrapalha o crescimento de novas castanheiras. Uma pesquisa feita recentemente pela Embrapa, no entanto, mostra que essa atividade, da forma como é feita hoje, acaba sendo positiva à regeneração natural da floresta, pois as pessoas funcionam como agentes de dispersão das sementes.

 

Os extrativistas, inclusive, são os principais interessados na manutenção das castanheiras. Desde que o preço da borracha caiu pela competição externa, a principal fonte de renda deles é a castanha-do-pará. Em períodos normais, uma lata com cerca de 10kg da semente com casca é vendida por cerca de 50 reais. Neste ano, houve quem conseguiu vender o mesmo produto por 120 reais. Ainda assim, a alta do valor não foi suficiente para compensar o baixo número de vendas e a renda de muitos deles sofreu um grande declínio.

 

Como era de se esperar, o maior interesse no produto criou toda uma cadeia produtiva em seu entorno. Depois de saírem da mão dos extrativistas, as castanhas são adquiridas muitas vezes por cooperativas, que são uma espécie de meio termo entre um coletivo de extrativistas e uma indústria de beneficiamento, tendo surgido para possibilitar um retorno financeiro melhor aos extrativistas. Essas cooperativas, por sua vez, repassam o produto para indústrias ou vendem diretamente ao consumidor. A Coopavam, cooperativa localizada em Juruena, região norte do Mato Grosso, foi seriamente afetada pelo declínio de castanhas. A sua produção caiu mais do que a metade e ela está sem atividade desde o mês de julho. “Normalmente, a nossa produção dura o ano inteiro, mas agora só devemos voltar em dezembro”, disse Luzirene Lustosa, presidente da entidade.

 

Como era de se esperar, toda a cadeia sofreu um forte impacto neste ano, demonstrando as fragilidades inerentes à dependência de um produto extraído da natureza. O consumidor, por exemplo, está diante de um preço inflacionado nos mercados: hoje, não é possível achar um quilograma de castanha-do-pará sendo vendido por menos de 120 reais, enquanto em anos anteriores esse valor rondava os 70 reais. Apesar do momento ruim, a perspectiva é positiva. De acordo com pesquisadores da Embrapa que exploram a floresta Amazônica, a próxima safra de castanha-do-pará, que começará a ser explorada em dezembro, promete ser boa, superando o susto causado em todo o mercado em torno da semente amazônica.

 

 

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